Carta do MovAya lida na apresentação do seminário Mulheres Ayahuasqueiras

Apresentação MovAya - Abertura Seminário 

O Movimento Nacional de Combate ao Abuso em Meio Ayahuasqueiro (MovAya) e seu grupo gestor, o Coletivo Maria Marques, mostram que a construção de uma visão coletiva, norteadora de uma intervenção, pode surgir a partir de um problema social. A partir da inquietação, sujeitos podem encontrar saídas na construção espontânea de coletivos que promovam ações assertivas e propositivas. 

E assim foi conosco. Nascemos da indignação, do inconformismo e da revolta. Mas também da esperança, da confiança e da sororidade, em busca do fortalecimento de espaços pacíficos e seguros de consagração da ayahuasca que esperamos alcançar com nossas ações. Somos cerca de 15 mulheres livres que decidiram não se calar diante do longo e doloroso caminho que vítimas de abusos e violências precisam percorrer para, talvez, alcançar resultados no sistema legal e em suas vidas cotidianas, nas igrejas e centros ayahuasqueiros que, por vezes, não propiciam esses espaços seguros. 

Em 3 meses, construímos um movimento nacional, atuante e com ações efetivas, numa proposta de gestão descentralizada, com distribuição das atividades, rodízio de funções, acolhimento e cuidado internos, de uma forma amorosa e de relacionamento profissional. 

Nos conhecemos a partir da interação em grupos de mulheres ayahuasqueiras nas redes sociais _ e logo fomos entrando em contato com relatos de abusos dos mais diversos tipos. Assim, descobrimos que_ a quase total invisibilidade do assunto no meio ayahuasqueiro, a desinformação, o desconhecimento de direitos e leis, o tabu e a pressão espiritual, junto com a falta de ação e resposta à essas situações de violência das instituições, da reprodução do silenciamento das vítimas e a existência de redes de apoio aos abusadores faz com que a maioria das vítimas se cale por medo, vergonha ou ambos. 

Para tornar nossa ação possível, criamos o Coletivo Maria Marques, o grupo gestor do Movimento. Maria Francisca Vieria Marques foi uma das primeiras seguidoras do Mestre Raimundo Irineu Serra, fundador da Doutrina do Santo Daime. Embora nosso grupo seja composto de pessoas das mais diversas linhas ayahuasqueiras, a homenagem à Maria Marques simboliza a valorização da figura feminina que precisa batalhar para garantir seu papel numa sociedade machista. Viúva por duas vezes e analfabeta, Maria Marques conseguiu se manter independente e bem estruturada com seu próprio roçado, produção agrícola e carvoaria, criando 7 filhos, e por isso mesmo foi alvo de muita intriga e ciúmes. Faleceu jovem, com apenas 32 anos de provável AVC e atualmente seu hinário é um dos mais cantados na Doutrina do Santo Daime. 

À medida que o Coletivo Maria Marques foi se organizando e atuando, constatamos que, infelizmente e como em nossa sociedade, o ambiente ayahuasqueiro ainda reproduz machismo, homofobia, transfobia, racismo e classismo. Por isso, sentimos a necessidade de uma ação urgente e firme. Além disso, logo entendemos que sem uma ação educativa não conseguiríamos evitar que novas situações de abuso surgissem, e esse é nosso principal foco: prevenção, disseminação de informação e construção de conhecimento sobre o assunto. 

Não há prevenção se não houver educação e informação. Também atuamos fortemente no combate aos abusos que já ocorreram, denunciando as redes que dão suporte aos abusadores e que se fortalecem nas pequenas ações e no silêncio das instituições. Nosso objetivo é identificar e enfraquecer essas redes de cumplicidade, dando visibilidade aos casos que forem condenados pela justiça, mas também oferecer apoio às vítimas, que devem ser acolhidas no mais absoluto sigilo, por razões de segurança. 

É preciso frisar que não estamos falando apenas de abusos sexuais, mas de todos os tipos de abuso: físicos, morais, psicológicos e patrimoniais. Uma das nossas primeiras ações foi solicitar à Gráfica Rainha (gráfica oficial da ICEFLU) e à ICEFLU (Igreja do Culto Eclético da Fluente Luz Universal) a interrupção da produção e comercialização dos cadernos de hinário de Antonio Marques Alves Júnior, conhecido como Gê Marques, ex-dirigente da Igreja Reino do Sol, em São Paulo/SP, investigado por diversos tipos de abusos, com quase 20 denúncias oficiais e há mais de 5 anos se esquivando da investigação. Essa conquista não se refere apenas à retirada do hinário de circulação, mas também ao posicionamento firme e claro do Grupo de Trabalho de Mulheres da ICEFLU, reconhecendo pela primeira vez, desde que o caso se tornou público, a voz e a dor das vítimas. 

A justiça brasileira é morosa e ainda não há uma legislação específica para esses casos, o que acaba levando ao silêncio das vítimas e à perpetuação de casos de abusos e violências. Não são raras as vezes em que o abusador coleciona inúmeros relatos e denúncias, pois são incentivados pela impunidade de seus atos. Apoiamos e entendemos como urgente a criação dispositivos jurídicos e sociais para proteção das vítimas de abusos em qualquer meio religioso e, para nós que consagramos ayahuasca, que nos resguarde em segurança a prática e o exercício da nossa fé e das nossas comunidades em geral. 

Esse Seminário foi pensado para ser nosso nascimento político. Com a parceria da Associação de Educadores da Universidade de São Paulo (AEUSP), ganhou um caráter mais acadêmico e a possibilidade de certificação para participantes. E com a parceira do Ciência Psicodélica acessamos uma plataforma profissional para a transmissão. A ideia em convidar cada participante, ao construir cada Roda de Conversa, foi trazer luz para uma outra compreensão e atitude, para que os abusos das mais diversas naturezas em meio ayahuasqueiro sejam banidos e uma nova realidade possa ser vislumbrada, de uma cultura de paz e segurança para todes.

Além disso, com a homenagem à irmã Davila, ligada à Doutrina do Santo Daime, queremos estender nosso respeito a todas as vítimas que foram levadas pelo Covid-19, dentro e fora dos círculos ayahuasqueiros. Estamos passando por um momento global extremamente sério e precisamos mais do que nunca ser responsáveis, empáticos e valorizar a Vida. Estamos muito felizes com a repercussão que o Seminário teve e isso nos mostra como é necessário e urgente que esses assuntos sejam abordados de forma clara e responsável. Foram mais de 460 inscrições em poucos dias de divulgação! 

Estamos nos organizando como um movimento social e aceitamos contribuições voluntárias para que possamos consolidar nossas ações e garantir maior segurança através de melhores tecnologias digitais e de informação. Estamos abertas para outros tipos de doações, como equipamentos e serviços voluntários de profissionais como psicólogos, terapeutas, advogados, criadores de conteúdo web, designer, revisores de texto, entre outros. 

Estarão disponíveis na descrição da Live os links para os formulários para quem quiser se voluntariar nas Frentes Educativa e de Acolhimento do MovAya. Para finalizar, gostaríamos de agradecer imensamente a parceria com a Associação de Educadores da USP e com o grupo Ciência Psicodélica, cujo apoio foi fundamental para que tudo isso se materializasse e acontecesse a partir de hoje. Sejam muito bem vindes e esperamos que esses dias sejam muito proveitosos para todes!! 

Confiram a programação, houveram pequenas alterações. Você encontra tudo atualizado em nosso blog http://seminariomulheresayahuasqueiras.blogspot.com

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